sábado, 27 de dezembro de 2014

Ônibus errado!


A gente é turista, do outro lado do mundo ou do outro lado da rua, sem preconceito. Assim, resolvemos turistar em Porto Alegre, mas precisamente no passeio do ônibus turismo que percorre o Centro Histórico da capital. Do início de dezembro ao início de janeiro há um roteiro especial, chamado Centro Iluminado, que o ônibus faz à noite, devidamente decorado para as festas de final de ano. 
O passeio é bastante procurado, é preciso comprar os ingressos na Empresa Portoalegrense e Turismo - EPATUR, com duas semanas de antecedência. O valor é U$ 10 e dura pouco mais de uma hora, sem paradas. Na hora da partida, o guia apareceu apenas para mandar todo mundo ficar sentado e avisar... que não haveria guia durante o passeio! Havia equipamento para conectar fones de ouvido em todos os lugares, mas não havia, nem fones, nem guia. Ou seja, se você não conhece Porto Alegre, vai continuar sem conhecer. Mas o mais fantástico foi o trajeto: lembram do nome do passeio, Centro Iluminado? Você espera ver os prédios - os públicos pelo menos - decorados e iluminados para as festas de final de ano, correto? Esqueça: o único prédio com alguma iluminação era a Catedral Metropolitana, e mesmo assim apenas para valorizar o monumento arquitetônico. O resto era um breu de dar depressão em palhaço. Alguém da prefeitura esqueceu de avisar a prefeitura que um ônibus turismo da prefeitura estava tentando vender a cidade para turistas. A única emoção ficou por conta do motorista, que resolveu brincar com os passageiros, largando o ônibus de dois andares em desabalada carreira, feito montanha russa, numa descida da Rua Ramiro Barcelos, que até os veículos leves temem descer!  
Para efeito de comparação: o mesmo passeio em Salvador custa U$ 24, dura oito horas, tem seis paradas para visitação de pontos turísticos relevantes - como Farol da Barra, Pelourinho e Mercado Público, entre outros - e guia uniformizada bilíngue. O ônibus tem ar condicionado na parte inferior, toldo na parte superior e bebidas geladas, servidas por preços comportados. Se você desejar conhecer melhor algum lugar, basta avisar a guia e ficar. Quando o próximo ônibus passar, você segue o roteiro sem pagar mais nada, porque o passe tem validade de 24 horas. 
Porto alegre é demais!

domingo, 14 de dezembro de 2014

Estrelas Guia


Uma visita despretenciosa, mas cheia de emoção, ao Estádio Beira Rio, foi guiada por uma dupla bem afinada: Eduardo e Raquel, nossos anfitriões na imersão pelas entranhas do Bêra!
Guiando grupos de até cem pessoas, Eduardo era um cara boa praça, jovem perspicaz e inteligente, que tinha calma para explicar tudo com clareza, sempre colocando-se à disposição de todos. Raquel, sua fiel escudeira, sempre fechava o grupo, cuidando para que ninguém se desgarrasse. Ambos tiravam dúvidas, explicavam detalhes, reforçavam os aspectos mais interessantes da visita. Chato como sempre, acabei por fazer uma pergunta a Raquel que ela não sabia responder: quantos camarotes tem o estádio? A resposta veio rápida, cheia de sinceridade: Não sei, mas preciso me informar. Ela podia ter dado um chute, mais forte que o do Alex, ou me dado um La Boba, à la D'Alessandro. Adorei aquilo! Mas o ponto alto do trabalho deles foi quando alguém perguntou o que era necessário para trabalhar ali. Raquel olhou para Eduardo, e seus olhos brilharam: abriu seu lindo sorriso, estufou o peito, levantou a cabeça, jogou o cabelo para trás e exclamou em alto e bom som: ser colorado!

O Encontro

Faz algum tempo que eu tangenciava um encontro inadiável: voltar ao Beira Rio. Não havia conseguido reunir tempo e coragem para este encontro. Olhando por fora, nas várias vezes que por ali passei, deslumbrava-me com sua beleza, tal qual um pai, que vê crescer sua filha, transformada em mulher. Mas sempre chega o momento: quis o destino que nosso encontro não fosse no algariado cenário do jogo decisivo, onde o que menos importa é onde estamos, e sim o que vai acontecer. Entrei num estádio vazio, limpo, tão quieto que podia ouvir meu descompassado coração. E como batia! Estava em êxtase com tudo que via e ouvia do nosso guia: os detalhes da construção, o uso dos espaços, a rotina dos jogadores e dirigentes na nova casa. Pude conhecer vestiários, sala de imprensa, arquibancadas, acessos, até adentrar à área do gramado. Parei, olhei para trás e ali estava, em toda a sua grandiosidade, o Beira Rio. Então, é assim que os jogadores o vêem, é por aqui que correm em direção aos braços da torcida.


De repente surgiu o aperto no coração: tiraram o "boné", onde estava escrito "A Maior Torcida do Rio Grande". Um pedaço de céu enorme também havia sumido, dando lugar a uma asséptica e irretocável cobertura branca. Painéis enormes flutuavam atrás das duas goleiras: cadê o placar eletrônico? Por que a coréia não voltou? O Beira Rio está lindo, mas... cadê o Gigante? Onde está o colosso de concreto que fez tremer de medo o menino de chinelos de dedo que subiu sua rampa numa tarde ensolarada de abril de 1969? O Gigante que rugia com todos os seus dentes, causando calafrios nos adversários? Não existe mais. Hoje, entrei numa obra de arte, tecnológica, leve e linda. Olhei para o velho distintivo, estampado na minha camisa retrô e engoli em seco: o Gigante morreu... 


Baixei a cabeça, respirei fundo para espantar o choro e fui saindo de mansinho. Lá fora, olhei para trás e suspirei: mas é lindo, mesmo! O Gigante que me perdoe, mas o Beira Rio tá demais!